As Mudan�as Clim�ticas representam uma amea�a existencial para a humanidade. Recentemente, mar�o de 2023, o Sexto Relat�rio de Avalia��o (AR6 – ”Sixth Assessment Report”) do Painel Intergovernamental para Mudan�as Clim�ticas (IPCC – ”Intergovernamental Panel for Climatic Changes”), organismo das Na��es Unidas (UN - ”United Nations”), encerrou um ciclo de compila��o e an�lise do conhecimento cient�fico sobre o estado do clima – atual e pret�rito – e previs�o para o futuro. Os relat�rios do IPCC cont�m a melhor ci�ncia clim�tica produzida globalmente.
O Aquecimento Global a partir do s�culo XIX, em rela�ao ao per�odo pr�-industrial, � incontest�vel; tamb�m incontest�vel � a causa principal desse do aumento: a queima de combust�veis f�sseis (carv�o, petr�leo e g�s) e o uso da terra pela humanidade (Figura 1).
O N�vel do Mar � uma vari�vel fundamental no estudo do clima da Terra. O aumento do n�vel do mar em todo o planeta, medido por diversos instrumentos (sat�lites altim�tricos, mar�grafos eletr�nicos e mec�nicos e r�guas de mar�) e suas causas, corroboram o Aquecimento Global (Figuras 2).
O Aquecimento Global j� est� afetando as condi��es meterologicas e extremos clim�ticos em todas as regi�es da Terra. O evento de chuva extrema em S�o Sebasti�o em 19 de fevereiro de 2019 �, muito provavelmente, um efeito desse aquecimento na atmosfera; os danos � natureza e perda de vidas s�o exemplos de impactos adversos das Mudan�as Clim�ticas causadas pela humanidade.
� urgente a mitiga��o e adapta��o �s Mudan�as Clim�ticas (IPCC, 2021). Para isso � necess�rio que a popula��o se aproprie do problema, entenda, discuta e proponha solu��es.
O objetivo deste projeto de ci�ncia-cidad� R�gua de Mar� � o de estimular o interesse de estudantes e da popula��o do litoral (Norte de S�o Paulo, S�o Sebasti�o) em Mudan�as Clim�ticas atrav�s do estudo do n�vel do mar: medi��o, entendimento dos principais fen�menos observados e previs�o.
A ci�ncia-cidad� consiste na parceria entre amadores e cientistas na coleta de dados para a pesquisa cient�fica utilizando metodologias participativas desenvolvidas por cidad�os ou em colabora��o com pesquisadores profissionais para ampliar a participa��o do publico na gest�o ambiental. (https://sibbr.gov.br/)
O projeto R�gua de Mar� propicia o engajamento da sociedade com a pesquisa cient�fica, na medida em que os participantes (alunos, pescadores, visitantes) atuar�o como colaboradores na coleta dos dados, assumindo um papel significativo no projeto. Para isso a r�gua ser� instalada pr�ximo dos participantes, que receber�o treinamento inicial e acompanhamento mensal/semanal, de dois ocean�grafos (um f�sico e uma bi�loga) e duas bi�logas da equipe. Os participantes, poder�o, tamb�m, participar da an�lise dos dados e comunica��o dos resultados, que ser�o disponibilizados de forma ampla e com livre acesso.
O projeto R�gua de Mar� est� alinhado com os Objetivos do Desenvolvimento Sustent�vel (ODS) 13 (ODS 13 - A��o contra Mudan�a Global do Clima) e com a D�cada da Ci�ncia do Oceano para o Desenvolvimento Sustent�vel, 2020 a 2030, decretada pela Assembl�ia Geral da ONU em 2017.
A R�gua de Mar� � uma r�gua graduada, pass�vel de ser visualizada � dist�ncia de v�rios metros, instalada verticalmente, semi-submersa no oceano e referenciada ao terreno (Figura 3). (IOC, 1985)
A R�gua de Mar� �, normalmente, instalada em piers, molhes, cais ou outra estrutura r�gida ligada ao terreno que avance sobre o mar; tamb�m pode-se construir um pilar semi-submerso especialmente para a instala��o da r�gua (Figura 4). Locais expostos a ondas de gravidade superficiais devem ser evitados e escolhidos estu�rios ou ba�as protegidas do mar aberto.
O comprimento da r�gua deve ser maior do que a amplitude de varia��o do n�vel do mar local e instalada de forma a que a base (o n�vel zero da r�gua) esteja sempre submerso e o topo sempre acima da superf�cie do mar. Refer�ncia de N�vel (RN) deve ser instalada nas imedia��es, em terreno seco e firme – matac�es ou lages de rochas – e associada � R�gua de Mar� por nivelamento geom�trico (Figura 5). O nivelamento geom�trico deve ser repetido anualmente ou no caso de mudan�as da R�gua de Mar�.
O N�vel do Mar tem escalas temporais de varia��o que v�o desde segundos – ondas capilares – at� a idade da Terra, 4.5 bilh�es de anos, com amplitudes de mil�metros at� dezenas de metros (Figura 6). A R�gua de Mar�, no entanto, s� permite medi��es com escalas temporais de v�rios minutos at� anos e amplitudes de cent�metros at� poucos metros. Assim, o observador dever� registrar as medi��es numa tabela da forma: Ano – M�s – Dia – Hora – Minuto – N�vel do Mar (em cent�metros).
Idealmente, os registros devem ser a intervalos de tempo regulares – da ordem de minutos – e cont�nuos por v�rios anos. Para este projeto, educacional e cidad�o, bastam medidas espar�as, di�rias, complementadas por per�odos especiais de medi��es a intervalos hor�rios – por exemplo, uma vez por m�s, seis horas de observa��o.
A Mar� Astron�mica, causada pela for�a de atra��o gravitacional da Lua e do Sol e in�rcia sobre o oceano da Terra, pode ser representada no N�vel do Mar em uma determinada localidade como a soma de v�rias ondas de per�odos (ou frequ�ncias) conhecidos:
(1) |
onde ηt � o n�vel do mar (devido � mar� astron�mica) no instante de tempo t, Ai amplitude, ωi frequ�ncia angular e ϕi fase da i-�sima onda.
A frequ�ncias angulares ωi = 2π∕Ti est�o associada aos per�odos Ti dos movimentos dos tr�s astros (Terra, Lua e Sol). A Tabela 1 apresenta os per�odos das seis ondas principais da mar� astron�mica.
Esp�cie | S�mbolo | Per�odo (horas) |
Lunar Principal Semi-diurna | M 2 | 12.4206012 |
Solar Principal Semi-diurna | S2 | 12.00 |
Lunar El�ptica Semi-dirna | N2 | 12.65834751 |
Lunar diurna | K1 | 23.93447213 |
Pequeno-fundo Lunar Principal | M4 | 6.210300601 |
Lunar diurna | O1 | 25.81933871 |
A Figura 7 apresenta, graficamente, o significado dos elementos de uma onda de mar� em uma localidade.
Utilizando-se as medi��es do n�vel do mar (sec��o anterior), � poss�vel, depois de ao menos um m�s de observa��es, ajustar – amplitudes e fases – as duas ondas de mar� principais (M2 e S2) � s�rie temporal. Com as estimativas dos elementos dessas duas ondas de mar� � poss�vel fazer a previs�o da altura do n�vel do mar, ou seja, uma ”T�bua de Mar�s”rudimentar.
A Mar� Meteorol�gica (”Storm Surge”em ingl�s) � o fen�meno causado no oceano por eventos atmosf�ricos – frentes frias, ciclones, furac�es – e pode ser observado no n�vel do mar.
O Aumento do N�vel do Mar (”Sea Level Rise”) devido ao Aquecimento Global �, em m�dia, de poucos mil�metros por ano – 3.2 a 4.2 mm/ano (IPCC, 2021). Observa��es consistentes por v�rios anos na R�gua de Mar� podem detectar esse sinal no n�vel do mar.
Mar�grafo Costeiro � um instrumento que automatiza as tediosas e dif�ceis observa��es diretas do n�vel do mar na R�gua de Mar�. Pode-se, dependendo do p�blico observador deste projeto, construir aparelhos para medir e registrar o n�vel do mar utilizando eletr�nica simples e acess�vel baseados em eletr�nica Ardu�no ( ver https://www.arduino.cc/).
A instala��o e manuten��o de uma R�gua de Mar�, nas proximidades da interface ar-mar-solo, � uma tarefa que requer pouca habilidade mas muito compromisso; dessa forma, espera-se que parte do p�blico participante do projeto seja constitu�do de membros de organiza��es permanentes situadas nas imedia��es da instala��o tais como institui��es de ensino, marinas, clubes n�uticos, ranchos de pescadores, etc.
No local de instala��o dever� ser mantido um ”di�rio de bordo”da r�gua de mar� e a tabela das observa��es em meio f�sico e digital. Tais registros poder�o ser transmitidos para registro central atrav�s de rede de computadores.
Espera-se que diariamente sejam realizadas – e registradas – v�rias observa��es do n�vel do mar na r�gua de mar�. Anualmente, ou no evento de reinstala��o da r�gua, o nivelamento geom�trico em rela��o � refer�ncia de n�vel (RN) e � rede altim�trica da localidade.
O registro do instante de tempo da observa��o do n�vel do mar � necess�rio para a constru��o da s�rie temporal; atualmente, atrav�s da rede de computadores e telefonia � poss�vel conhecer o tempo com grande precis�o e acur�cia em, praticamente, qualquer lugar habitado; para as observa��es na r�gua de mar� � suficiente incerteza da ordem de 1 minuto. As medi��es do n�vel do mar em uma r�gua de mar�, graduada em cent�metros, dever�o ser registradas com essa precis�o; a incerteza da medida, no entanto, deve ser da ordem de 5cm, devido a efeitos locais (por exempo ondas e vento) e � habilidade dos observadores.
A partir de conuntos consistentes de observa��es do n�vel do mar dever�o ser obtidas estat�sticas b�sicas da s�rie temporal – m�dia e vari�ncia – di�rias, mensais e anuais.
A mar� astron�mica, em geral o fen�meno respons�vel pela maior parte da vari�ncia do n�vel do mar, com escalas temporais t�picas de 12 e 24 horas, dever� ser representada por duas ondas senoidais (M2 e S2) a partir do ajuste �s observa��es. Para isso, ao menos dois ciclos siz�gia-quadratura dever�o ser observados com per�odos especiais de medi��es hor�rias.
Com as ondas ajustadas a previs�o da mar� – a t�bua das mar�s rudimentar – dever� ser obtida e comparada �s futuras observa��es.
A diferen�a entre a previs�o da mar� e as observa��es dever� ser utilizada para estimar escalas temporais (da ordem de dias) e a amplitude (ou vari�ncia) da mar� meteorol�gica – o efeito no n�vel do mar da passagens de sistemas meteorol�gicos.
Com as estimativas de amplitude da mar� astron�mica e meteorol�gica dever�o ser estimados n�veis extremos m�ximo e m�nimo do n�vel do mar e referenci�-los ao terreno na regi�o da r�gua de mar�. Com esse conhecimento dever�o ser estabelecidos n�vel de inunda��o para a regi�o adjacente utilizando-se mapas topogr�ficos georeferenciados.
O projeto R�gua de Mar� � baseado em uma medida simples – altura (H) – do n�vel do mar realizada sobre um pilar vertical graduado. Apesar de simples, o projeto cont�m todas as etapas do m�todo cient�fico – da observa��o � previs�o de fen�menos – e com poss�vel aplica��o relevante para a sociedade: alarme de inunda��o. O objetivo principal, no entanto, deste projeto de ci�ncia cidad� � o de levar a sociedade a olhar para o mar. Para al�m da beleza, o que o mar nos conta sobre o clima da Terra; o que nos conta sobre a forma de vida da humanidade.
A mar� astron�mica por sua regularidade e consequente previsibilidade � um dos fen�menos f�sicos que mais atraiu a aten��o de fil�sofos e pensadores humanos. Conta-se que Arist�teles (s�c IV AEC) afogou-se no Estreito de Euripus, Gr�cia, sem entender a raz�o de serem observados dois ciclos de mar� por dia associados, obviamente, a um ciclo por dia da Lua e do Sol (Cartwright, 2000). O problema s� foi resolvido por Newton (1687) e � uma das provas das Leis de Newton que consta do Principia, um dos mais importantes livros de ci�ncia j� escrito, Philosophi� Naturalis Principia Mathematica (Newton, 1687). Dessa forma, atrav�s das observa��es na R�gua de Mar�, � poss�vel apresentar a evolu��o do pensamento cient�fico, princ�pios de amostragem, estat�stica b�sica, processamento computacional de dados, aplica��o de trigonometria, ondas, astronomia e geod�sia; mec�nica newtoniana. A previs�o da mar� e compara��o com as observa��es culmina o m�todo cient�fico.
A avalia��o da mar� meteorol�gica nos dados do n�vel do mar ressalta a intera��o entre oceano e a atmosfera. Tamb�m, a observa��o permite a interpreta��o correta de T�buas de Mar� (dispon�veis na rede mundial de computadores) e a materializa��o do n�vel do mar no terreno. Em regi�es costeiras onde mapas topogr�ficos est�o dispon�veis, as observa��es na R�gua de Mar� podem ser utilizadas para a defini��o de �reas de risco de inunda��o e estabelecimentos de n�veis de alarme para popula��o e defesa civil tomarem as provid�ncias necess�rias.
O projeto R�gua de Mar� � um projeto simples, de baixo custo, mas demanda o engajamento da popula��o litor�nea; esse engajamento, no entanto, � objetivo central de um projeto de ci�ncia cidad�.
O projeto R�gua de Mar� est� alinhado � D�cada do Oceano 2020 a 2030 e ao Objetivo de Desenvolvimento Sustent�vel 13, A��o contra a mudan�a global do clima, Adotar medidas urgentes para combater as altera��es clim�ticas e os seus impactos, particularmente, 13.3 Melhorar a educa��o, aumentar a conscientiza��o e a capacidade humana e institucional sobre mitiga��o, adapta��o, redu��o de impacto e alerta precoce da mudan�a do clima.
IOC, 1985. MANUAL ON SEA LEVEL MEASUREMENT AND INTERPRETATION. Volume I - Basic Procedures. Manuals and Guides 14. Intergovernmental Oceanographic Commission. 75pp.
IPCC, 2021: Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Masson-Delmotte, V., P. Zhai, A. Pirani, S.L. Connors, C. P�an, S. Berger, N. Caud, Y. Chen, L. Goldfarb, M.I. Gomis, M. Huang, K. Leitzell, E. Lonnoy, J.B.R. Matthews, T.K. Maycock, T. Waterfield, O. Yelek�i, R. Yu, and B. Zhou (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA, 2391 pp. doi:10.1017/9781009157896.
Pugh, D.T. 1987. Tides, Surges and Mean Sea-Level: a handbook for engineers and scientists. Chichester: Wiley. 472pp.
Cartwright, D.E., 2000. Tides: A Scientific History. Cambridge Univ. Press, 292 pp.
Newton, I., 1687. The Principia, Mathematica Principles of Natural Philosophy, the autoritative translation by B. Cohen and A. Whitman, 1999. University of California Press. 591 pp.